Com garra e disciplina, brasileiros despontam como favoritos no hipismo paraolímpico

Do alto de seus cavalos, cavaleiros e amazonas exibem um espetáculo de elegância, tal como faziam os nobres e aristocratas europeus no século XVI. O charme associado à montaria permanece o mesmo da época em que os ingleses se dedicavam a suas famosas caçadas às raposas, mas a performance dessa parceria entre homens e cavalos evoluiu bastante quando a prática foi inserida como esporte de demonstração na primeira Olimpíada da Era Moderna, sediada em Atenas (1896), e incorporada definitivamente aos jogos de Estocolmo (1912).

Executar movimentos limpos, manejando as rédeas com precisão e dosando equilíbrio, coordenação e ritmo pode parecer complicado para quem assiste às apresentações. No entanto, pessoas com limitações físicas e sensoriais vêm repetindo os feitos dos atletas olímpicos desde que a modalidade estreou na competição paraolímpica de Nova York (1984), e foi incluída permanentemente no calendário dos jogos a partir de 2000, em Sydney.

Reconhecimento nacional e internacional

Apesar de ostentarem tradição no que diz respeito à equitação durante séculos e séculos, os ginetes europeus e de outras potências paraequestres encontram dificuldades para manter sua hegemonia diante dos competidores brasileiros, cuja ascensão relâmpago chama a atenção de técnicos, praticantes e do público que aprecia o esporte. Em 2003, nos Jogos Parapan-Americanos de Mar del Plata, o cavaleiro paraplégico Marcos Alves, o Joca, voltou para casa com duas medalhas douradas no peito após apenas um ano de profissionalização da modalidade no Brasil. Já na primeira participação do País em jogos paraolímpicos, em Pequim (2008), ele garimpou mais duas medalhas de bronze.

De lá para cá, a frequência com que brasileiros como ele, Sérgio Fro es Oliva e Vera Lúcia Mazzilli sobem ao pódio em campeonatos nacionais e internacionais de grande porte aumentou e, ao que tudo indica, a seleção brasileira está prestes a escrever uma importante página de sua história na Paraolimpíada de Londres, em 2012. “Com os últimos resultados, desbancamos as equipes da Europa e do mundo, e conquistamos pelo menos quatro vagas para Londres. Contamos com um apoio financeiro em torno de R$ 800 mil do Comitê Paraolímpico Brasileiro, destinado à preparação dos atletas, e temos boas chances de medalhas porque o Brasil vem crescendo tecnicamente. Tanto que estamos em primeiro lugar do ranking mundial”, comemora Marcela Parsons, diretora de equitação paraequestre da Confederação Brasileira de Hipismo (CBH) e atual treinadora da seleção brasileira.

Na trilha dos campeões

Os maiores celeiros de promessas do hipismo são os centros de equoterapia, que utilizam cavalos como instrumento de reabilitação dos mais diversos tipos de deficiências. Nesses locais, a maior parte localizada em Brasília, os praticantes estabelecem uma relação de confiança e de afeto com os animais, que os estimulam a se dedicarem à terapia com afinco. Quando se dão conta, muitos se tornaram cavaleiros ou amazonas com qualidade técnica para competir em grandes torneios. E os benefícios não param por aí.

“O movimento tridimensional do cavalo exerce uma importante influência sobre o tronco do cavaleiro. São milhões de estímulos por minuto quando o cavaleiro está montado, que contribuem para uma melhora do controle do tronco, postura, equilíbrio e coordenação motora”, afirma Marcela. Outra vantagem desse esporte é que a aposentadoria demora a chegar, já que os atletas começam a competir profissionalmente aos 16 anos e podem permanecer sobre as arenas enquanto mantiverem um bom desempenho.

Praticamente não há restrições para quem quer tentar uma carreira no hipismo paraolímpico ou apenas desfrutar dos benefícios da equitação terapêutica, a menos que haja alguma contraindicação médica. Por esta razão, são encontrados entre os adeptos do esporte pessoas com deficiências variadas, incluindo paraplégicos, tetraplégicos, amputados, cegos, paralisados cerebrais e muitos outros.

Para conseguir montar o cavalo e se manter nele até o final do percurso, cavaleiros e amazonas contam com a ajuda de auxiliares e podem utilizar adaptações, como, por exemplo, sinais sonoros em forma de palmas ou campainhas, no caso dos cegos, encostos ou velcros especiais para estabilizar o tronco, as pernas e corrigir a postura de lesionados medulares, sendo que a permissão para o uso dessas adaptações depende da classificação funcional que irá definir a categoria e o perfil do praticante. Uma das medidas adotadas para garantir a segurança durante a competição é a escolha de cavalos mansos, porém, com boa qualidade de passo, capazes de conseguir notas altas. Eles são submetidos a treinamentos específicos, de acordo com o tipo de deficiência de cada para-atleta.

No que diz respeito às regras, o hipismo paraolímpico diferenciase do olímpico pelo tamanho da pista, que é reduzida, medindo 20 por 40 metros, e pelo uso de chicotes para ajudar na impulsão do cavalo, mas os movimentos obrigatórios são praticamente iguais e os para-atletas competem individualmente ou em equipes de quatro integrantes, apenas na modalidade adestramento. A maior dificuldade enfrentada por aspirantes a cavaleiros e amazonas é o alto custo do esporte, uma vez que nem todos os profissionais costumam ser contemplados com o patrocínio de empresas. Um iniciante gasta em média R$ 1,5 mil por mês com todas as despesas, incluindo participações em campeonatos brasileiros. Se demonstrar talento, com o tempo é possível que consiga uma bolsa-atleta.

Nunca é tarde para começar

No momento em que muitos atletas de alta performance já abandonaram o mundo esportivo é que Vera Lúcia Mazzilli começou. Há seis anos, a portadora de distonia muscular não progressiva – doença caracterizada por espasmos musculares involuntários que produzem movimentos e posturas anormais -, hoje com 60 anos, procurou um centro de equoterapia para adquirir mais equilíbrio corporal. Formada em administração de empresas, ela nunca havia trabalhado até se encantar pelo mundo hípico e ser descoberta pela treinadora Marcela Parsons. “Eu não tinha o mínimo interesse por cavalos. Antes, fazia natação. Mas, depois que conheci, não quis mais parar.

No cavalo, não tenho nenhuma dificuldade, me sinto muito bem”, ressalta a amazona, que compete individualmente na categoria 1A, ocupada por competidores com os mais severos níveis de comprometimento.

Vera conta com a ajuda de auxiliares e adaptações que impedem os movimentos involuntários que atingem seu corpo inteiro, como a rédea com alça e um velcro entre a barrigueira e o estribo do cavalo, para firmar suas pernas e estabilizar suas mãos. Quando está pronta, sobre o dinamarquês batizado de Locomotion, a para-atleta brilha. Só neste ano, ela conquistou o primeiro lugar nos campeonatos abertos de adestramento paraequestre de Deauville (França), Mulhouse (França) e Casorate Sempione (Itália), todos qualificatórios para a Paraolimpíada de Londres (2012), o que a levou ao topo do ranking mundial em sua categoria.

O segredo do sucesso da amazona é a seriedade e a dedicação com as quais ela conduz sua carreira e a assiduidade nos treinos, que acontecem às terças-feiras e aos domingos, com uma hora de duração. “A Vera é extremamente dedicada. Não falta aos treinos e está sempre buscando a excelência. Como resultado, a performance dela é impressionante”, avalia a treinadora. Mas a amazona quer chegar bem mais longe. “O hipismo mudou a minha vida. Nem consigo explicar como. Foi bom mesmo. Agora vou participar da paraolimpíada. É um sonho que tenho e estou chegando lá”, finaliza.

Subdivisão de categorias

Classes IA e IB

Inclui os cavaleiros e amazonas com pouco equilíbrio no tronco e/ou comprometimento nos quatro membros (os competidores da categoria IA possuem um equilíbrio no tronco ainda menor, se comparados aos da classe IB); ou funcionamento dos membros superiores preservado e nenhum equilíbrio no tronco.

Classe II

Composta por cadeirantes ou pessoas com debilitações severas envolvendo o tronco e leve a bom equilíbrio; ou severo comprometimento unilateral.

Classe III

Cegos e competidores capazes de caminhar sem auxílio e com debilitação unilateral moderada, que necessitam de cadeiras de rodas por disporem de pouca força ou para percorrer longas distâncias.

Classe IV

Deficiências leves em um ou mais membros e com baixa visão.

Serviço

Comitê Paraolímpico Brasileiro (CPB)
www.cpb.org.br

Fonte- Revista Sentidos

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