Mais do que uma diversão, a prática traz ganhos no aspecto biopsicossocial infantil
Foto: Júlio Cordeiro / Agencia RBS
Ana tem dois anos, Arthur quatro. Há cerca de um ano, ela e o irmão passam pelo menos meia hora por semana experimentando as primeiras voltas na garupa de Hórus e Ísis, cavalos das raças crioulo e appaloosa. Sob o olhar atento da mãe e da avó, a dupla aprende, desde cedo, noções de equilíbrio, força e coordenação motora.
Os ensinamentos são transmitidos quase como brincadeira, enquanto as crianças observam cachorros, pássaros e outros personagens que compõem o cenário rural das aulas de babyclass de equitação na cidade de Portão, a 45 minutos da Capital.
Em um meio rico em estímulos naturais, longe da tecnologia e dos jogos digitais que fisgam o imaginário das crianças dessa faixa etária, corpo, linguagem e técnica são desenvolvidos no contato com os animais e com especialistas da lida equestre.
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— Crianças são como esponjas, absorvem todos os estímulos que recebem. No início da infância o cérebro está em pleno desenvolvimento, com muitas sinapses e elas dependem desses estímulos. Cavalos são como os brinquedos, servem de facilitadores para esses aprendizados — explica a fisioterapeuta e instrutora do Centro de Equitação Equusterapia Ana Cláudia Fuck.
Inspiração até para uma dieta mais saudável
Mais do que uma diversão, a prática traz ganhos no aspecto biopsicossocial infantil. Enquanto corrige a postura, por exemplo, a aula traz noções de cuidado com os cavalos, respeito às normas de convívio e alinhamento corporal.
Após cada volta a tiracolo dos animais, os pequenos têm de alimentá-los com frutas e legumes trazidos de casa. Enquanto observa a égua Ísis devorar uma maçã na cocheira, a pequena Ana admira extasiada a vontade com que o animal espuma a comida no canto da boca. Cenoura e mamão também estão no cardápio de Ísis, inspirando a maneira como Ana se alimenta em casa.
— Eu digo para minha filha comer toda a fruta, igual a Ísis. É uma referência, ela come bem direitinho — diz a mãe, orgulhosa.
Cuidados com a segurança são fundamentais na prática
Para deixar os pais mais tranquilos, o acompanhamento do instrutor e a escolha de animais dóceis diminuem o risco de acidentes de percurso. Até hoje, nenhuma criança caiu durante os treinamentos na escola. Mas os proprietários preferem não pagar para ver. Por isso, tratam os cavalos com muita comida, criam eles soltos, evitam repressões agressivas como chicote ou batidas. Segundo o diretor da escola Ederson Freitas, os cavalos usados para ensinar as crianças são os mesmos empregados na prática de equoterapia, método terapêutico e educacional utilizado dentro de uma abordagem interdisciplinar nas áreas de saúde, educação e equitação.
— A personalidade e o condicionamento dos cavalos são itens importantes a serem observados quando lidamos com crianças. Os animais são escolhidos a dedo. Eles precisam ser treinados para não reagir, não morder nem dar coices. Devem ter nível baixo de stress. Para isso, demoram cerca de três anos para ficarem prontos — explica Freitas.
O estilo do animal é adaptado a cada criança, mas nenhum deles abre mão de um tratamento respeitoso e envolto em regras, comandos e cuidados especiais. Essa característica é o que promove o comprometimento dos pupilos:
— O cavalo confia plenamente em ti. Por isso, lidar com ele trabalha a responsabilidade na criança — afirma a fisioterapeuta.
Ansiedade para subir, choro para descer
Se domar as rédeas e manter o equilíbrio sobre o cavalo é uma atividade desafiadora para muitos adultos, imagine para alguém que está recém aprendendo a pronunciar as primeiras palavras. Quando vê a égua sair do estábulo, Ana balbucia com empolgação “ó, os labalos”, que é como sabe chamar os amigos equinos. Ansiosa pela sua vez de montar, fica inquieta enquanto espera o irmão fazer a sua parte da aula.
Acompanhado da fisioterapeuta e instrutora Ana Cláudia Fuck, Arthur se exibe jogando a bola de horseball de um lado para o outro. A atividade é um exercício empregado para trabalhar lateralidade e força. Enquanto isso, a irmã mal cabe em si quando chega a sua vez. A excitação de montar em Ísis é tanta que fica em dúvida se abana para a avó, se faz carinho no cavalo ou posa para câmera do fotógrafo. Animada com o desafio, ela aproveita cada momento do passeio e, quando chega a hora de descer, ensaia um ranço de contrariedade.
— É sempre assim. Algumas crianças ficam com medo no início, outras não. Depois, vão se soltando, curtem a atividade. Só que, quando termina, a maioria chora na hora de descer. Eles não querem ir embora — diz a instrutora.
Benefícios nas duas pontas da vida
Embora o público-alvo da equitação lúdica seja dos dois aos oito anos, equitação e equoterapia também são indicados para pessoas em idades mais avançadas. Cuidados semelhantes aos empregados com os baixinhos são destinados a quem já passou dos 60 anos, por exemplo. Por ser outra etapa da vida, os benefícios e os cuidados são um tanto diferentes: ajuda a espantar a solidão, resgate da vitalidade e, muitas vezes, promove autonomia dos praticantes idosos.
Estudos indicam que praticantes de equitação têm menos doenças e espantam sintomas de quadros depressivos. Fazer amigos e melhorar a questão cardiovascular são outras vantagens.
Em qualquer idade, a explicação científica para os benefícios é que, ao deslocar-se durante o passo, o cavalo produz movimentos em seu dorso que são transmitidos ao cavaleiro através do alinhamento dos centros gravitários (praticante e animal). Esses movimentos tridimensionais assemelham-se 95% à marcha humana. Os deslocamentos contínuos ocorrem para cima e para baixo, para frente e para trás, para um lado e para o outro. Essa ação realizada pelo cavalo exige do praticante movimentos de antecipação, orientação e adaptação, que envolvem o sistema nervoso.
BENEFÍCIOS DA EQUOTERAPIA
– Equilíbrio e coordenação motora
– Força muscular
– Consciência corporal
– Organização espaço-temporal
– Funcionalidade
– Controle da respiração
– Concentração para a realização das atividades
– Iniciativa
– Autoestima
– Autocontrole
– Autoconfiança
– Independência
– Maior interação social
Foto: Júlio Cordeiro / Agencia RBS