A vitória incontestável de Rodolpho Riskalla no hipismo

Após perder o pai em julho de 2015 e contrair uma doença no mesmo ano que lhe custou amputações nas pernas e nas mãos, o paulista, que estreou nos Jogos Paralímpicos, ensina, sobre um cavalo, como lidar com as tragédias da vida com leveza e determinação

Pare e pense: onde você estava no dia 19 de agosto de 2015? Se nada de extraordinário aconteceu em sua vida é provável que você não saiba a resposta. Esse, entretanto, não é o caso do paulista Rodolpho Riskalla. E mesmo que ele não tivesse ciência àquela altura, a data ficará para sempre marcada em sua história como o momento em que seu destino e os Jogos Paralímpicos Rio 2016 começaram a se cruzar.

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Rodolpho Riskalla comemora ao fim de sua apresentação no Centro Olímpico de Hipismo, em Deodoro. Foto: Marco Antonio Teixeira/MPIX/CPB

As semanas antes daquele 19 de agosto foram difíceis para Rodolpho. Morando na França há quatro anos e meio, ele recebeu à distância a notícia da morte do pai. O luto que ele experimentou estava prestes a se misturar com uma guinada sem precedentes na vida do cavaleiro que, até aquele momento, ainda sonhava em conquistar uma vaga para os Jogos Olímpicos do Rio.

“Ano passado eu fiz uma tentativa para o Pan de Torontoe não deu certo porque me ficou faltando uma prova”, lembra Rodolpho, 31 anos. “E esse mesmo cavalo eu ia colocá-lo no Grande Prêmio para tentar uma vaga olímpica para o Rio. Nessa mesma época meu pai faleceu, no fim de julho, e eu tive que voltar para o Brasil. Não cheguei a vê-lo. Não tive contato. Quando cheguei ele já estava sepultado. Então fiquei doente. Peguei uma meningite bacteriana”, conta Rodolpho, que narrou em detalhes os momentos que experimentou naquele 19 de agosto.

“Fiz as amputações em outubro (de 2015) e em novembro comecei a fazer a recuperação com meus amigos. Isso tudo foi me dando essa vontade de querer logo voltar para isso aqui (para o hipismo). Eu falei: ‘se eu podia tentar uma vaga olímpica, por que eu não posso tentar uma vaga paraolímpica?’ Então foi aí que tudo começou”

“Eu estava em casa e comecei a passar mal. Achei que era uma gripe, uma bobagem. Comecei a ter uma dor de cabeça e a vomitar e pensei: ‘Comi alguma coisa estragada’. Só que comecei a ter 40 graus de febre. E não baixava. Minha mãe me pegou, de manhã, e disse: ‘A gente vai para o hospital agora!’. Eu estava todo endurecido, na nuca, nas pernas. Eles diagnosticaram logo que era meningite. Fizeram uma punção nas costas e foi tudo meio rápido. Eles falaram: ‘A sua sorte foi que a sua mãe o trouxe logo. Duas horas a mais e você iria morrer em casa’”, relembra.

“Depois ficava aquela coisa (no hospital), a cada quatro horas eles diziam: ‘Ele sobreviveu mais quatro horas… Ele sobreviveu mais quatro horas…’ Assim foi indo”, continua o cavaleiro, que entrou em coma naquele dia e, ao acordar, voltaria para a França para viver um novo pesadelo, ainda mais terrível, já que a doença custou a Rodolpho amputações nas duas pernas, na altura dos joelhos, na mão direita e nos dedos da mão esquerda.

A pergunta que abre esse texto pode ter representado um exercício de memória que de fato é impossível para a maioria das pessoas. Mas a questão que segue exige apenas reflexão: E se fosse você na pele de Rodolpho? O que você faria quando acordasse após as cirurgias e se deparasse com tal realidade?

A maneira como o paulista lidou com a tragédia e hoje fala sobre o problema, com leveza e simplicidade após participar, neste domingo (11.9), da prova por equipes de adestramento, no Centro Olímpico de Hipismo, em Deodoro, é tocante.

“Meus seguros são todos franceses. Então eles me mandaram de volta para Paris e foi lá que eu fiz as operações. Fiz as amputações em outubro e em novembro comecei a fazer a recuperação com meus amigos. Isso tudo foi me dando essa vontade de querer logo voltar para isso aqui (para o esporte). Eu falei: ‘Se eu podia tentar uma vaga olímpica, por que não posso tentar uma paralímpica?’ Foi aí que tudo começou”.

Cavalo emprestado

Ainda no hospital, Rodolpho passou a projetar sua nova vida esportiva e tratou de trabalhar para conseguir chegar ao objetivo de defender o Brasil nas Paralimpíadas do Rio.

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Com seu cavalo, Warenne, Rodolpho galopa sob aplausos da torcida: felicidade após as tragédias. Fotos: Marco Antonio Teixeira/MPIX/CPB

“Eu entrei no hospital de reaparelhagem, que ainda é um hospital onde eles cuidam de você, porque eu tinha bastante marca da doença e eles tinham que cuidar de mim. Eu comecei a andar no comecinho de março com as próteses e na segunda semana de abril já tinha uma classificatória. Eu ainda estava no hospital. Eu tenho uma super amiga na França que me emprestou o cavalo, entrou comigo nesse projeto, e falei para o médico: ‘Olha, você querendo ou não eu vou para a prova’. Ele disse: ‘Tudo bem’. Acho que ele percebeu que não iria ter muito controle mesmo e aí me liberaram”, narra.

“As minhas classificatórias foram em Doville (na França) e Waregem, na Bélgica, e eu ainda estava morando no hospital, na realidade. Aí eu fazia meio ida e volta. Eu saí do hospital no dia 30 de abril. Eu tinha que ter pelo menos três resultados. Depois eu fui para Roosendaal, na Holanda, e para a Alemanha, no comecinho de junho”, continua Rodolpho, narrando a trajetória que garantiu sua classificação para o Rio 2016.

“Para todo mundo que passa uma situação ruim, que tem um acidente ou que muda a vida e que está deprimido, o ideal é tentar passar para frente, porque a situação não vai mudar. Não adianta eu chorar pelo dedo perdido. Ele não vai crescer de novo. Então tem que ir atrás de coisas novas. A vida é assim”

Tragédia e alegria

No início da tarde deste domingo, Rodolpho Riskalla de Grande realizou o sonho de competir nas Paralimpíadas. Usando próteses nas pernas, ele montou seu cavalo, chamado Warenne, e, ao som de “Mas que nada”, de Jorge Ben Jor, galopou na arena do Centro Olímpico de Hipismo de Deodoro sob aplausos. Ao fim, sorrindo e disposto a conversar sem pressa com os jornalistas mesmo debaixo de sol forte, o cavaleiro falou sobre tudo o que viveu nos últimos dias no Rio.

“É o máximo estar aqui. Você competir com todos esses atletas e fazer parte desse super evento, que acontece a cada quatro anos, é uma emoção que não tem como descrever. É só entrar lá mesmo para saber”, disse.

“As instalações ficaram o máximo. Eu conheço isso aqui desde antes do Pan (em 2007). Já competi aqui. Os cavalos estão super bem. Eles viajaram super bem e tem tudo para eles: fisioterapeutas, massagens, veterinários, enfim, tudo. As cocheiras são ótimas”, elogia.

Sobre sua apresentação, Rodolpho, que terminou em 12º, com a nota de 66.737, se mostrou feliz com seu desempenho. “Em geral, gostei. Fui super estável, que é o que a gente procura aqui. Faltou um pouco de brilhantismo, para ser um pouco crítico, mas em geral eu gostei. Para uma estreia nos Jogos eu estou bem contente”, avalia.

Para o paulista, depois de tudo o que viveu para chegar às Paralimpíadas, a pontuação ou o resultado final é o que menos conta. Para ele, o fato de ter se disposto a conquistar a vaga, ter obtido sucesso e agora ter descoberto que uma nova vida esportiva se abriu foi fundamental para aceitar o revés que sofreu.

“Você ter sempre uma coisa vindo atrás da outra ajuda bastante a superar. No fim das contas, você aprende que ok, foi uma coisa horrível? Foi. Eu não posso falar que não. Isso muda a vida da gente. Mas eu não iria estar aqui (se não fosse a doença). Eu não iria estar passando por tudo isso (pela emoção dos Jogos). E quem sabe o que vem ainda depois? Para mim, na realidade, foi uma coisa ruim que no final foi benéfica. É difícil de explicar, mas é isso”, diz.

Redenção no hipismo

Para qualquer pessoa que atravesse uma turbulência tão séria quanto a experimentada por Rodolpho Riskalla, ter uma paixão que a motive a seguir adiante é, talvez, tão importante quanto a ciência que a permitiu continuar viva. No caso dele, essa paixão tem nome: hipismo.

“Eu sempre fui do hipismo. Tinha minha vida, meu emprego, mas sempre fui ligado aos cavalos. E quando você está doente, tudo o que pode te motivar para você sair daquele fundo do poço é bom. E o hipismo foi uma das coisas que realmente me motivou um monte para poder passar essa fase de hospital, a readaptação e a aceitação consigo mesmo. Com tudo isso, eu acho que isso aqui (competir nos Jogos Paralímpicos) foi bárbaro”.

A experiência na Vila e as lembranças da cerimônia de abertura dos Jogos ficarão para sempre guardadas em um lugar especial. “É super bacana. Estar vivendo isso aqui foi uma das coisas que eu quis muito, não só pelo fato de estar competindo agora, mas de estar na Vila e viver tudo isso. Lógico que você conhece, mas não sabe o dia a dia, o que é viver com uma amputação, com duas, ou com quatro, ou ver gente que tem outro tipo de problema, que está em uma cadeira de rodas… Poder vivenciar isso mais de dentro é importante”, diz o cavaleiro.

“Todo mundo se vira. Tem gente que tem o braço amputado em cima do cotovelo e eles vão lá e comem picolé. Isso é o máximo. Te dá um super estímulo. Para todo mundo que passa uma situação ruim, que tem um acidente ou que muda a vida e que está deprimido, o ideal é tentar passar para frente, porque a situação não vai mudar. Não adianta eu chorar pelo dedo perdido. Ele não vai crescer de novo. Então tem que ir atrás de coisas novas. A vida é assim”, prossegue, com incrível resignação.

Outra lembrança especial foi vivida no dia 7 de setembro, na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos. “Aquilo foi o máximo. Para mim a imagem que fica é quando você está naquele túnel para entrar no Maracanã e tem aquele mundo de gente aplaudindo. Tudo isso é a imagem que fica. Fora a festa, que foi o máximo. Você estar sendo o artista de todo esse palco é muito gostoso”.

“No final das contas você aprende que ok, foi uma coisa horrível? Foi. Eu não posso falar que não foi. Isso muda a vida da gente. Mas eu não iria estar aqui (se não fosse a doença). Eu não iria estar passando por tudo isso (pela emoção dos Jogos). E quem sabe o que vem ainda depois disso? Para mim, na realidade, foi uma coisa ruim que no final foi benéfica. É difícil de explicar, mas é isso”

Luiz Roberto Magalhães – brasil2016.gov.br

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